*AVISO: este texto não contém spoilers. Leia sem medo e sem culpa. 😉
Após quase três anos de espera, Stranger Things está de volta! E apesar do longo intervalo entre uma temporada e outra (havendo uma pandemia no meio), a série continua em boa forma. O que chama a atenção nesse novo ano é a maturidade, mesmo que um deslize ou outro aconteça.
Em Stranger Things 4 vemos a série evoluir tecnicamente, expandir sua mitologia, se apegando a uma atmosfera de terror que permite mais tensão e uma boa combinação com o contexto em que seus personagens se encontram, tudo isso em proporções que não tiram em nada a essência e o sucesso de sempre.
Existem algumas ousadias ao mesmo tempo que não. Você sente a obra caminhar para um lado mais adulto, sem ter que mexer na fórmula. E isso não é algo negativo, considerando a criatividade dos irmãos Duffer, criadores da série, e o sucesso do conjunto da obra para com seu público.
A estranheza, talvez, fique pela duração dos episódios e a divisão em dois volumes. No primeiro, por exemplo, temos sete episódios com mais de uma hora de duração cada. Já o segundo volume contém dois episódios que caminham para uma espécie de longa-metragem, passando de duas horas de duração só no último episódio.
Essa duração pode não agradar a todos, levando a trama para um caminho mais arrastado. A divisão serve mais para a criação de expectativas do que para alguma interferência na história em si. Mesmo assim, quando você enxerga o todo, ainda vemos a nossa amada e viciante série com pegada de blockbuster oitentista.
Dessa vez, a influência parece ter saído diretamente de filmes da franquia A Hora do Pesadelo, incluindo as suas sequências com motivações clichês. Aliás, se tem algo que Stranger Things faz muito bem e nunca teve vergonha de mostrar que não tem nada de errado em se apegar no clichê. Principalmente quando ele é bem executado.
O vilão da vez é Vecna, nome tirado dos jogos de tabuleiro mais referenciado da série, Dungeons & Dragons, cuja participação é digna de um bom vilão caricato dos anos oitenta, o que é ótimo (esse é o clichê em questão). Sua presença e ações são extremamente impactantes, tendendo para um terror psicológico e brutal, algo que a série já vinha estabelecendo com o Devorador de Mentes. Aliás, como a série abusa das cenas de terror nessa quarta temporada. O Mundo Invertido nunca esteve tão aterrorizante como agora.
É certo que nessa temporada não estamos mais lidando com as doces crianças que um dia resolveram sair em procura do amigo desaparecido. Essas crianças cresceram, assim como os desafios pelos quais haverão de passar. E não falo somente do Mundo Invertido e seus perigos, mas também das particularidades que a vida de adolescente traz, tais como as ambições, amores, bullying e muito mais.
Talvez esteja exatamente aí a motivação dos criadores da série em aumentar a duração dos episódios, numa tentativa de situar os dramas de cada personagem. Dessa maneira, temos nesse quarto ano uma divisão de núcleos muito maior do que acontece na terceira temporada, inclusive, indo muito além dos limites da cidade de Hawkins.
Mas existem núcleos que parecem não funcionar tão bem quanto outros, considerando a pegada em que cada um se encontra. Alguns destoam e ficam um tanto arrastados. Não dá para ter certeza se isso é proposital, mas tudo se encaixa no final das contas. É até curioso como alguns personagens que já foram centrais em outras temporadas, aqui soam quase como meros coadjuvantes. Você vai saber identificar, sem muita dificuldade, já no primeiro volume.
A grande surpresa mesmo fica com os novatos, principalmente pela função que cada um exerce na trama. São todos muito bem aproveitados, mesmo que ainda não muito bem aprofundados. Um personagem novato, em especial, certamente entrará no hall de figuras mais carismáticas da série, algo que já deve ter acontecido antes mesmo de você começar a ler esse texto. Afinal, em tempos de redes sociais e fandom frenético, certos nomes não ficam de fora.
Outra coisa interessante é que a caça por referências da cultura nerd dos anos 80 não é tão gritante como em outros anos, por mais que elas estejam inseridas. Tudo funciona com base na trama e não na necessidade de se fazer referências a todo momento. Isso é tão bom levando em consideração que tantas outras obras produzidas atualmente estejam se apegando única e exclusivamente no chamado fan service. Aqui o nostálgico acontece de forma natural, algo muito similar ao que acontece na primeira temporada.
A trilha sonora em Stranger Things é algo indiscutível desde a primeira temporada. Isso porque temos a emblemática ambientação dos compositores Kyle Dixon & Michael Stein, além de mais um belo exemplo de como usar hits dos anos oitenta a favor da trama. Funciona tão bem que algumas cenas vão ficar na sua cabeça exatamente pela música escolhida, ou vice-versa. Apresentar essas canções para as novas gerações e ainda trazê-las de volta ao topo das paradas é algo louvável e que não tem preço.
O que a Netflix tem em mãos é, sem dúvida, o seu maior carro-chefe, o que a faz investir cada vez mais na obra. Tudo vem sendo gradualmente apresentado em escalas maiores, preparando o terreno para um grand finale.
Mesmo que a série, porventura, apresente pontos baixos, nada tira o mérito do amor construído pelo público para com seus personagens e todo o conjunto da obra. O resultado é positivo, mais uma vez. É até curioso saber que essa ainda não é a última temporada, dada a proposta apresentada.
São muitas as surpresas guardadas pelos irmãos Duffer. O que o futuro reserva para nossos heróis? Veremos uma possível e corajosa mudança na fórmula? Se a intensão era criar expectativas para a fase final, essa certamente foi alcançada. Tudo chegará ao fim, algo que para um grande apreciador da obra nunca foi tão assustador e empolgante ao mesmo tempo.
Estou amando a série, principalmente por retratar uma década maravilhosa em que vivi!!!