Vidas Secas | A realidade implacável e a esperança primordial

Atualmente entre influencers/booktubers literários, muito se vê e se ouve sobre as leituras de clássicos estrangeiros, americanos, europeus, africanos, entre outros. Percebo que há uma desvalorização ou indiferença com obras nacionais. Longe de mim se eximir de mesma culpa, uma vez que livros nacionais só os lia em época escolar (quando muito). Despertei meu olhar um pouco mais para os grandes pesos pesados brasileiros e, hoje, trago a você a grande obra de Graciliano Ramos, Vidas Secas. A edição baseada para esse review é a de 2019, porém, a obra foi escrita entre 1937 e 1938, possuindo dentre décadas posteriores várias e várias edições.

Na obra em si, acompanhamos Fabiano, um sertanejo que junto à sua família (Sinha Vitória, dois filhos e a cachorrinha chamada Baleia) muda constantemente de lugar no sertão nordestino para fugir da seca, da fome e da morte. Dentre tantas desventuras, há sempre duas constantes: a pobreza e a esperança. O autor, portanto, divide os capítulos por personagem e por acontecimentos, provocando assim uma empatia maior por cada um dos envolvidos.

VIDAS SECAS / GRACILIANO RAMOS

Apesar de torcer para o sucesso do quinteto, a fuga para dias melhores, a abundância e o fim desse desassossego parece nunca chegar. O leitor vai se envolvendo com a narrativa assertiva da obra, que nos passa os sentimentos e pensamentos, aumentando a pressão do ocorrido nos mínimos detalhes. O cenário é sempre bem detalhado para ambientar melhor o leitor (na árida terra, na casinha simples que não protege o suficiente do frio, da cama de vara que é impossível dormir no centro, nos urubus que os rodeiam, entre outras coisas).

Nesta edição, o vocabulário de Ramos utiliza-se de palavras pouco usadas, rebuscadas mesmo, carregando também muito de sua regionalidade, e isso nos engrandece a alma. Também ao fim, temos um posfácio comentado por Hermenegildo Bastos apresentando os principais pontos e as metáforas do livro, e posterior um mega calendário com Vida e Obra de Graciliano Ramos.


Quando se trata da leitura de romances clássicos, geralmente, já me preparo para duas coisas: uma escrita mais rebuscada e uma história triste. Acompanhar a vida de Fabiano nessa edição é um mix de amor e ódio. Um homem bruto, ignorante das questões civis escolares, ingênuo das malícias dos homens e irritantemente teimoso! Por outro lado, dono de uma sabedoria empírica, um homem que pensa ser bicho porque sabe que — na natureza — o animal sempre encontra um meio para os fins. Sábio de suas funções, tem plena noção do que quer para si e sua família, por mais simples que seja, não pede muito a Deus, somente aquilo que precisa (todos nós deveríamos ser mais assim). Acompanhado de uma mulher forte que conhece as limitações e temperamento do marido, preenche com mais emoção as questões que envolvem toda a família.

Nos capítulos separados para cada personagem, podemos conhecer um pouco mais de suas dores e como a convivência afeta cada um dos que ali estão. Os filhos que querem ser como o pai; o pai que não quer transparecer fraqueza pra mãe, e a mãe que sabe que o marido está perdido nos rumos da vida, mas não deixa de incentivá-lo a superar as dificuldades, pois sabe o quanto isso afetará a todos.

Com todos os pontos possíveis para um livro tão curto, Graciliano provoca no leitor uma reflexão sólida. Aquela família não tem a menor chance, então acaba por lermos de olhos serrados, esperando a hora da virada. E mesmo com tanto infortúnios, os personagens carregam toda esperança de dias melhores com eles, não sobrando nada para nós, meros leitores. É como ver um rato preso à ratoeira, esperançoso pela fuga… as perspectivas são completamente diferentes e isso causa uma certa dor.

Sem contar a melhor personagem do livro, que é a cachorrinha Baleia. Reservo-me aqui de não comentar sobre ela, pois só de lembrar de suas cenas, meus olhos marejam e as lágrimas aparecem. Logo, deixo essa surpresa para que o caro leitor a conheça ao ler o livro.

Mas a principal mensagem, talvez, seja a seguinte: “Mesmo quando a realidade se mostrar irredutível, faça sua parte e mantenha a esperança”. No fim, é só isso o que nos resta. Dentre tantas coisas a se mudar, só nos resta acreditar que será possível um dia, pois um homem sem esperança é um homem morto.

VIDAS SECAS / GRACILIANO RAMOS
Adaptação cinematográfica VIDAS SECAS, de 1963 – Foto: © Reprodução/Internet


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Vidas Secas
Escritor: Graciliano Ramos
Editora: Record
Lançamento: 2019

Sinopse

A história de uma família pobre da região seca do Nordeste e sua luta diária por trabalho e comida para sobreviver e superar as dificuldades do ambiente árido em que vive. Baseado no livro homônimo de Graciliano Ramos.
Leonardo G. Simiãohttps://skoob.com.br/usuario/3337985-leonardo-simiao
Comunicador, entusiasta literário e fugitivo da caverna de Platão. Fã de romances clássicos e suas dores, sci-fi e seus temores, terror e seus horrores. Em busca da verdade que ninguém contou, as páginas dos livros ocultam muito mais coisas do que os contos lovecraftianos. Graduando em filosofia, além de "falador e estragador oficial" dos almoços em família.

2 COMENTÁRIOS

  1. Excelente resenha! Ótimas as suas impressões acerca dessa leitura. Esse é um livro que pretendo revisitar. Grande Graciliano!

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